"Vou à Bahia porque, se alguém fez o impossível para eu sair do país, foi Dado Galvão. Desde que filmou uma entrevista comigo em Havana, ele tem sido incansável. Mesmo quando me faltava esperança, ele a mantinha" YOANI SÁNCHEZ - FOLHA DE SÃO PAULO

CUBA LIBRE!!!

José Nantala Freire com Yoani Sanchéz


Por José Nantala Bádue Freire – advogado, São Paulo – SP.

Eu sou da década de oitenta. Quando nossa Constituição Federal foi promulgada, em 1988, eu tinha apenas sete anos de idade... Portanto, em minha vida toda, fui criado num ambiente em que nossas liberdades eram legalmente asseguradas, como pedras fundamentais do nosso sistema jurídico-social, elencadas, principalmente, no artigo 5º da CF/88.

Quando comecei a estudar história e geografia, matérias que sempre gostei, embora nunca tenha sido um aluno brilhante em nenhuma delas, aprendi, através dos ensinamentos dos meus queridos professores, que as liberdades que nos são asseguradas hoje foram frutos de um processo dialético-político e sócio-cultural, que derramou sangue, suor, champagne e dinheiro pelas canaletas de nossa nação.

Diante dos momentos históricos mais críticos do chamado Governo Militar (também conhecido como ditadura militar ou até mesmo Estado de Exceção), como o Ato Institucional nº 5 de 1968, por exemplo, aprendemos que a repressão violenta e desarrazoada acaba legitimando muito mais a luta por um direito do que contendo tais ímpetos libertários, tão nocivos aos governos autoritários.

Contudo, mesmo depois de lermos, estudarmos, nos emocionarmos e até nos solidarizarmos com as causas defendidas quando nossos pais e avós lutavam pelas liberdades das quais gozamos hoje, nunca sentimos na pele o que significa ser repreendido e perseguido, simplesmente, por ter uma opinião manifestadamente diversa daquela que impera.

Pois bem, eu não SABIA o que era isto... Hoje eu sei.

Estive em Cuba recentemente. Lá, Marina, minha esposa, tinha como missão entrevistar uma das mulheres mais fascinantes e proeminentes no cenário internacional, não tanto pelas suas belas críticas políticas e seu discurso cirurgico, preciso e eloquente, mas sim, pela sua postura libertária num ambiente altamente repressivo: esta mulher se chama Yoani Sanchez.

Tivemos muita dificuldade em falar com ela. Tentamos ligar e enviar e-mails durante os dois primeiros dias da nossa curta estadia de 3 noites numa contraditória Havana, que mistura a alegria e a arte de seu povo com o desequilíbrio social e a hipocrisia de um Governo que prega a “igualdade” através da ignorância, da alienação e do isolamento...

Quando conseguimos marcar o encontro, Yoani, acostumada ao fato de ser encarada como “inimiga” pelos “amantes” (escravos) da revolución, nos previniu que era melhor nos encontrarmos em nosso hotel do que irmos até a residência dela.

Antes de Yoani chegar ao nosso hotel, já estávamos cercados dos agentes secretos de Fidel Castro, que se portam como uma patética versão falida da KGB soviética, desprovidos de identidade e repletos de uma autoridade falsa, através da qual mandam fazer somente aquilo que lhes é mandado.

Quando chegou ao Hotel, Yoani – e nós também, por tabela! – era fotografada como uma estrela de Hollywood cercada de Paparazzi. Sem fazer qualquer disfarce (até porque a intenção era intimidar!), os capangas de Fidel nos rodeavam enquanto conversavamos e, por isso, Yoani nos sugeriu fazer a entrevista numa praça pública, pois deixaríamos claro que não fazíamos nada de errado, já que, pela lei cubana, a Liberdade de Expressão e o direito de ir e vir também são protegidos.

O problema é que, como a milícia revolucionária de Fidel é um agrupamento que não tem qualquer regimento ou previsão legal. Eles podem fazer o que quiserem naquela ilha (ou melhor, somente o que o Comandante quer!), posto que, mesmo que cometam crimes, nunca serão julgados, processados ou sequer acusados.

Em nossa conversa/entrevista, enquanto Yoani nos dava uma lição de coragem e do que significa ter um espírito livre, um oficial fardado, disfarçadamente, mexia na bolsa de uma velhinha que estava por perto. Logo depois, ela se sentou no banco à nossa frente, numa praça que encontrava-se totalmente vazia: ela estava gravando nossa conversa.

Neste mesmo momento, um furgão branco, de vidros negros, parava no canto da praça. Dele desciam mais alguns capangas do Comandante, que nos olhavam de longe, fixamente, como se esperassem que terminássemos a entrevista para nos abordarem.

Enquanto morríamos de medo, Yoani fazia pose para as fotos tiradas pelo capanga que nos seguia desde o hotel, e ainda tirava fotos dele em retribuição, com seu pequeno celular... Com estes gestos, ela mostrava a eles o ide do movimento antiquado que representavam, que está muito mais para Bobo da Côrte do que para Rei, como eles trazem em seu super-ego infantil.

Felizmente, terminamos nossa conversa e, apesar das paranóias que povoaram a minha cabeça e da Marina até deixarmos o espaço aéreo cubano, cumprimos nossa missão. Mas, muito mais importante do que conseguir uma entrevista, pelo menos para mim, foi sentir na pele o que é viver sob a batuta de um governo autoritário e repressivo. Depois desta experiência, demos muito mais valor a quem lutou pelas nossas liberdades e as estabeleceu. Embora ainda haja muito para evoluir em nosso país (sem falar nos surtos autoritários, como ocorreu com a censura ao Estadão pelo Ex-presidente Sarney), valorizo ainda mais as nossas conquistas como Estado Democrático e repugno muito mais ferozmente os endossos do nosso Presidente e nosso Chanceler a governantes ensimesmados como Fidel, Chavez, Ahmedinejad e etc.

Para finalizar, tentarei definir Yoani Sanchez numa frase só: De Alto Cerdo a Macané, do Puerto a Mayarí, Yoani comporta-se como uma das ilhas de liberdade, ilhadas numa ilha de repressão. Tomara que, com a junção destas ilhas, forme-se todo um território, tão livre como um dos principais drinks cubanos... Y da-me una Cuba Libre, señor!

Enviado por e-mail (Creditos: José Nantala Freire com Yoani Sanchéz)