Assange e Yoany
“É positivo o compromisso público do agora quase ex-presidente. Quem sabe depois de janeiro ele não aproveita e protagoniza uma campanha global pela proteção das liberdades de expressão e de imprensa?”
Há duas liberdades em discussão no caso WikiLeaks: 1) a de vazar informações estatais sigilosas e 2) a de a imprensa divulgar o conteúdo vazado. Em situações de respeito absoluto às liberdades de imprensa e expressão há uma barreira intransponível entre as duas coisas, mas isso é teoria.
Na prática, e mesmo nos países mais democráticos, jornalistas que divulgam material sigiloso vazado ilegalmente costumam enfrentar dissabores. E a discussão complica um pouquinho mais quando se veem os limites pouco e mal definidos do conceito de jornalismo nos dias que correm, uma época em que todo mundo é jornalista.
Então talvez seja melhor começar pelo mais fácil. É legítimo e defensável o jornalismo colocar em circulação tudo que considera relevante do material divulgado por Julian Assange. Como o conceito de ¿jornalisticamente relevante¿ é das coisas mais fluidas e subjetivas na face da Terra, melhor não enveredar pelo labirinto dos juízos de valor sobre as decisões jornalísticas alheias, de publicar ou não.
No caso do WikiLeaks, cada veículo trouxe o que considerou relevante. Aqui no Brasil, por exemplo, achei relevantíssimas e divertidíssimas as revelações sobre a intimidade das conversas entre membros do nosso governo e autoridades americanas.
O estado de espírito dos personagens da política às vezes revela bem mais do que as aspas treinadas e fabricadas para oferecer a ração diária de lides.
E o outro direito, de vazar material secreto, ou ultrassecreto? Bem, aí cada país tem suas leis, e se o sujeito não aceita cumpri-las deve assumir o risco de perder a liberdade e/ou o patrimônio, ou então arrumar a trouxa e fazer a mudança.
São sempre discussões complicadas. Seria aceitável, por exemplo, publicar informações vazadas da polícia do Rio de Janeiro que facilitassem a vida dos traficantes de drogas encastelados nas comunidades?
Cada país tem os seus problemas.
Ontem o presidente da República que sai manifestou solidariedade ao fundador do WikiLeaks. É positivo. Mostra compromisso do chefe do governo brasileiro com a liberdade de expressão, bem num tempo em que na administração dele germinam ensaios de restrições a ela.
Pode ter sido apenas um jab verbal, uma chance de espicaçar o império, mas isso importa pouco. Vale o compromisso público do agora quase ex-presidente.
Quem sabe depois de janeiro ele não aproveita e protagoniza uma campanha global pela proteção das liberdades de expressão e de imprensa?
Capital político para isso tem. E não há na minha sugestão qualquer ironia.
Um presidente enfrenta as restrições do cargo, fala não apenas por ele mas também pelo país. Não dá para um presidente sair por aí dizendo o que dá na telha e defendendo em cada situação o que é mais justo, de um ângulo ético ou moral. Há os constrangimentos decorrentes das razões de estado, e desconsiderá-los levaria ao desastre.
Um ex-presidente não sofre dessas amarras. Veja-se o exemplo de Jimmy Carter, promotor global de causas nobres desde que deixou a Casa Branca derrotado por Ronald Reagan.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia inclusive inaugurar a nova fase operando um gesto de grande simbolismo.
Além de se engajar na defesa de Julian Assange, poderia unir-se ao colega de partido Eduardo Suplicy e interceder junto ao governo de Cuba para Havana abrandar o inexplicável veto a viagens internacionais da blogueira oposicionista Yoani Maria Sánchez Cordero, por isso impedida de atender ao convite para visitar o Brasil.
Baita vantagem
A única coisa certa sobre o futuro é que ele sempre chega.
E chegou o nosso futuro de desaceleração econômica combinada a pressões inflacionárias em alta.
A seu modo, o presidente que sai deixará sua herança maldita. No câmbio, nos juros, no custeio da máquina.
No crescimento medíocre.
Nada que se compare ao fardo legado por José Sarney a Fernando Collor, ou ao abacaxi que Fernando Henrique Cardoso entregou a si mesmo na passagem do primeiro para o segundo mandato.
Lula tem ainda a vantagem de passar o bastão a alguém que não reclamará dele.
O que é uma baita vantagem.
Fonte: Internet - ALON FEUERWERKER - Nas entrelinhas Correio Braziliense (10/12/2010) alonfeuerwerker.df@dabr.com.br
Enviado por: Rosa Maria Wasem Assessoria de Imprensa (Gabinete Sen. Eduardo Suplicy) em (14/12/10)