"Vou à Bahia porque, se alguém fez o impossível para eu sair do país, foi Dado Galvão. Desde que filmou uma entrevista comigo em Havana, ele tem sido incansável. Mesmo quando me faltava esperança, ele a mantinha" YOANI SÁNCHEZ - FOLHA DE SÃO PAULO

Brasil, Cuba e a longa marcha dos direitos humanos na América Latina

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Igreja Católica, governos e organizações européias e americanas estabeleceram bons diálogos com a oposição democrática na ilha, que em algum momento irá governar Cuba.

Brasil e Cuba têm comércio bilateral significativo e diversos projetos de cooperação em áreas como saúde pública e energia. A presidente Dilma estará na ilha na próxima semana e a visita será dominadas pelos debates sobre direitos humanos. É inescapável, pelo enorme simbolismo da Revolução Cubana para a política na América Latina como uma referência em autonomia diante dos Estados Unidos e em reforma social. Mas a região é muito diferente hoje e o imaginário ocupado por Cuba é por vezes bastante incômodo. O país nunca será avaliado pelos mesmos critérios pelos quais se julgam ditaduras na China, Rússia ou Irã, e sim pelo descompasso com os padrões de seus vizinhos latino-americanos.

No auge da Guerra Fria, em meados da década de 1970, havia apenas duas democracias plenas na América Latina: Venezuela e Costa Rica – o México do PRI como um caso híbrido e ambíguo. A maioria dos habitantes da região era pobre. Naquele contexto, Cuba não se destacava pelo autoritarismo – era a regra, à direita e à esquerda – e seus indicadores sociais eram muito expressivos.

Na América Latina de hoje, o único país no qual os governantes não são eleitos pelo voto é Cuba. É certo que as democracias da região continuam frágeis e repletas de práticas autoritárias: fraudes em larga escala no México, censuras e perseguições à imprensa na Venezuela, Argentina e Equador, grandes pedaços de território controlados pelo crime organizado na América Central, Colômbia, Brasil e México. Mas os avanços são notáveis e destacam-se na comparação com os outros continentes formados por nações em desenvolvimento, Ásia e África. Prisoneiros políticos praticamente desapareceram da América Latina, a não ser em Cuba e ocasionalmente na Venezuela – além, claro, daqueles que os Estados Unidos encarceraram na base naval de Guantanamo. A pobreza caiu para um terço da população e houve ampla melhora dos padrões de vida e do consumo.

A Revolução Cubana perdeu seu apelo prático para a política da região. No Peru, México e Venezuela, os candidatos fazem campanha prometendo ser o próximo Lula – e não o futuro Fidel. As novas classes médias da região já têm dinheiro para passar férias no exterior, mas optam por conhecer os Estados Unidos ou nações vizinhas, e não a experiência socialista cubana.

Contudo, os países da região não criticam Cuba, fora uma ou outra exceção como a Argentina de Carlos Menem e o México de Vicente Fox – em ambos os casos, atitudes explicáveis mais pelo desejo dos dois presidentes em manter uma relação especial com os Estados Unidos. O regime cubano é tratado pelos governos latino-americanos como uma espécie de tio excêntrico e querido, de quem não se comenta os defeitos em respeito ao período em que foi importante na família, principalmente porque enfrentou o vizinho grandalhão e rico do qual todos tinham medo.

O mundo mudou e o velho parente irá falecer em breve. Igreja Católica, governos e organizações européias e canadenses estabeleceram bons diálogos com a oposição democrática na ilha, que em algum momento irá governar Cuba. Talvez ainda nesta década. Não é praxe das autoridades brasileiras buscar esse tipo de entendimento, em lugar nenhum do planeta, mas partidos políticos e movimentos sociais poderiam desenvolver uma agenda assim. Lançando, por exemplo, uma campanha “América Latina sem presos políticos.”

Algumas pessoas já se mobilizaram, como o cineasta Cláudio Galvão da Silva em sua parceria com a escritora cubana Yoani Sánchez. Ele a convidou a vir ao Brasil para o lançamento de um documentário sobre censura em Cuba e em Honduras. O governo brasileiro concedeu o visto, mas as autoridades cubanas desde 2004 proibem Sánchez de sair do país. Ela já foi presa e espancada por suas opiniões. A presidente do Brasil também o foi. Isso não mudará a diplomacia brasileira, digamos, com respeito às Damas de Branco. Havana não é Teerã. Mas Dilma não fará como Lula, que comparou os presos políticos cubanos a criminosos comuns.

Por Maurício Santoro, Doutor em Ciência Política, é professor do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas-RJ e colaborador da Globo News, rádio Band News e Folha de S. Paulo.