É animadora a concessão de visto pelo governo brasileiro à blogueira cubana Yoani Sánchez, alguns dias antes da primeira visita da presidente Dilma a Cuba. Ora, dirão alguns, mas o Itamaraty certificou-se antes que Havana permitiria que Yoani viajasse ao Brasil — ela tentara permissão para deixar a ilha em 20 ocasiões, todas negadas. Claro, senão o visto seria inócuo. E vale o gesto de interceder pela dissidente.
O fato de as autoridades cubanas darem permissão demonstrará a importância que atribuem ao relacionamento com Brasília, e o papel que o país já tem, mas que ainda pode expandir, de ajuda na transição de uma ditadura comunista, algoz de seus cidadãos, para um governo que fixe um cronograma rumo à democracia.
Com essa medida, a presidente Dilma dá mais um passo para confirmar a mudança de rumo em relação à diplomacia companheira dos dois mandatos do presidente Lula. Em 2007, por exemplo, dois lutadores cubanos de boxe — Guilhermo Rigondeaux e Erislandy Lara — abandonaram a delegação aos Jogos Pan-Americanos do Rio para ficar no país, quando Tarso Genro era ministro da Justiça.
Foram presos pela Polícia Federal e repatriados em avião venezuelano. Depois, lograram escapar de Cuba.
Em fevereiro de 2010, na quarta e última visita oficial de Lula a Cuba, a chegada do presidente brasileiro coincidiu com a morte do dissidente Orlando Zapata, em greve de fome. Na ocasião, a política brasileira era de total e cego apoio ao regime castrista.
Lula lamentou a morte, mas criticou o uso da greve de fome como método de luta política. Posou sorridente para fotos ao lado dos líderes cubanos e não atendeu a um pedido dos dissidentes para que os recebesse.
Já no Brasil, foi infeliz ao comparar os presos políticos cubanos a malfeitores na frase: “Imagina se todos os bandidos presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade?"
A diplomacia companheira teve também total simpatia pelo italiano Cesare Battisti, terrorista condenado à prisão perpétua, por homicídio, na Itália, e foragido no Brasil. Um dos últimos atos de Lula foi ignorar o tratado de extradição com a Itália e conceder refúgio a Battisti, permitido, primeiro, por Tarso Genro.
A política externa brasileira tem em vista os interesses estratégicos do país, que não necessariamente são os mesmos de outras nações, como os EUA. A diplomacia companheira frisava as eventuais diferenças com alarido. Como no caso do Irã, arqui-inimigo dos EUA e tratado com deferência excessiva pelo governo Lula, segundo o rudimentar princípio de que inimigo do meu inimigo é meu amigo.
A presidente Dilma deixou claro que um dos nortes da diplomacia brasileira, sob sua orientação, é a defesa dos direitos humanos. Neste sentido, começou a se afastar gradualmente dos aiatolás iranianos. Brasília continua excessivamente cautelosa, como quando defende o diálogo entre o governo Assad e seus opositores como solução para os combates na Síria.
Mas a iniciativa de Dilma em relação à blogueira Yoani, que deseja vir ao Brasil para o lançamento do documentário ”Conexão Cuba/Honduras“, reforça a expectativa de que o país exerça liderança responsável e condizente com sua reivindicação de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Como faz, desde 2004, no Haiti.